"Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende"
Leonardo da Vinci

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Muito além de um prato de fígado

Hora do almoço no refeitório da faculdade. Percorro as travessas expostas com a comida  do dia e me decido com relativa rapidez: salada de cenoura, suflê de abobrinha e picadinho de fígado. Informo ao rapaz que se encarrega de servir minha escolha. Ele estanca. "Fígado?" "Sim, fígado, por favor." "Fígado... fígado. Está bem." Eu ainda me pergunto se falei alguma besteira, mas não, pedi corretamente o bendito fígado. Ele, então, começa a servir uma gigantesca porção de fígado no meu prato, apesar de minhas manifestações de que aquela quantidade (a primeira "colherada de quartel") já era suficiente. Mas ele só me escuta depois da terceira. O prato ficou com aquele aspecto que eu detesto: "montanha de comida", mas fazer o que, certo?

Catei um pãozinho para acompanhar, afinal, vai que está intragável? Posso precisar de algo para empurrar aquela comida feia para dentro e um pão nessas horas é uma ótima pedida.

O surpreendente é que, apesar de no refeitório da faculdade eles dominarem uma técnica especial para estragar um mero bife na chapa, o bendito do fígado estava delicioso. Foi a primeira vez que comi um fígado que não deixasse aquele gosto amargo na boca.

Depois do almoço, fiquei pensando na minha escolha. Por que fígado se eu nem gosto de fígado? E encontrei a resposta: justamente porque eu não gosto de fígado.

Como primeira filha, fui educada com uma "rigidez" da qual meus irmãos escaparam. A teoria de meu pai, compartilhada em parte pela minha mãe, era de que, "uma mocinha educada come de tudo" e que "se passarmos por uma guerra, teremos que comer qualquer coisa", então, vamos ao treinamento. 

Assim, para mim, a frase "não gosto de jiló", por exemplo, era absolutamente proibida. E essa frase me custou uma semana tendo que comer um prato de jiló antes das refeições, sem careta, até me acostumar com o gosto. E o pior é que, não só me acostumei com o gosto, mas aprendi a gostar de jiló.

Fonte:Marina Estilo Infantil
O fígado, contudo, sempre "desceu mal". Nunca conseguiu alcançar o nível existencial do jiló.

E aí, diante das opções alimentares que ali se apresentaram naquele dia, naquele almoço, a minha limitação por fígado resolveu se testar e encarei um prato de trabalhador braçal, "bem servido", de fígado. E, surpreendentemente, gostei.

Eu sei que, atualmente, nessa nossa cultura "liberal" de não-imposição de limites aos pequenos seres em formação, parece coisa de louco obrigar uma criança a comer jiló, bife de fígado e tantas outras coisas para as quais as crianças torcem os seus narizinhos sem nem saber porque, mas acho que ali meus pais estavam treinando meu espírito "adaptável" que hoje me é tão útil.

2 comentários:

Edu Corrêa disse...

Você teve sorte... Eu cheguei a apanhar de cinto para comer coisas de que não gostava, mas que hoje como sem grandes problemas. À exceção de couve-flor... Desta, nem sei explicar o porque de tamanha aversão.

Um brinde com suco de beterraba (com ou sem laranja) aos nossos espíritos adaptáveis!

Ju Foch disse...

Um brinde, Edu!

Eu tive muita sorte, sim, Edu. Meus pais eram contra as "palmadas"; nunca levei nem umazinha. Mas em compensação, os argumentos deles eram incontornáveis... Me criaram na base da argumentação e espero ter a sabedoria (e a paciência) de fazê-lo com meus filhos, quando eu os tiver.